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Chef Itacareense, Meia Noite, é destaque na Folha de São Paulo. Veja!




Nascido em Itacaré (BA), Marcos Oliveira, 36, —mais conhecido como Chef Meia Noite— enfrentou muitas dificuldades até conquistar seu espaço na gastronomia. Quinto de dez irmãos, o baiano conta que encontrou a cozinha não apenas por dom e paixão, mas também por necessidade de se alimentar.


Hoje, após 12 anos, Meia Noite é chef do jantar no Capim Santo, restaurante tido como referência internacional da gastronomia brasileira contemporânea. Além disso, é professor do Instituto Capim Santo, idealizado pela chef Morena Leite.


A proposta do Instituto é capacitar, treinar e acompanhar, por meio da gastronomia, jovens e adultos em situação de vulnerabilidade social, focando em seu empoderamento. Em dez anos de atuação, mais de 1.300 alunos se formaram nas cinco unidades do Capim Santo.



Preocupado em ajudar as pessoas com origem e história semelhante à sua, Meia Noite estimulou a abertura de uma unidade do instituto em Itacaré. Hoje, de 118 pessoas formadas na unidade, 108 estão trabalhando. "A gastronomia é a maçaneta do mundo."


INFÂNCIA


O nome Meia Noite veio através da capoeira, todo capoeirista tem um nome de batismo. Por eu trabalhar de guia turístico durante o dia e até tarde da noite na cozinha, começaram a me zoar, diziam ‘caramba, o cara só sai depois de meia-noite’. Assim veio o nome da capoeira, Meia Noite.


Na minha infância passei por muitos perrengues por ser de uma família de muitas pessoas, eram dez irmãos. Éramos de um lugarzinho na zona rural de Itacaré. Um dia, meus familiares venderam a roça que tinham, e minha mãe foi para a cidade com os dez filhos pequenos.


Cada casa [da vizinhança] dava um pouco de comida para a gente, e essas comidas depois me trouxeram certas lembranças gastronômicas. A gente se alimentava da comida que nos davam e, a cada comida que eu experimentava, eu buscava aquele gosto, cada uma tinha um sabor diferente para mim.


Aos 12 ou 13 anos de idade, voltei para Itacaré, não consegui ficar mais com minha mãe, porque conforme fui crescendo, as coisas foram mudando. Comecei a sentir vergonha da vida que eu tinha. Então, conheci um cara e peguei uma carona até Itacaré, onde ainda morava minha tia.


GUIA TURÍSTICO


Conheci uma menina italiana, que tinha uns quinze anos. A gente começou a se gostar, a sair junto, e os pais dela me levaram para conhecer as praias de Itacaré. O pai dela pagava o guia para levar a família e me levava junto, e assim descobri a beleza natural que havia onde eu morava.


Foi assim que virei guia turístico. Depois de ver o menino que guiava o pessoal e falava muito bem da fauna e da flora do local, e pensei: um dia quero ser igual a esse cara. 

O trabalho de guia me trouxe para a cozinha também, porque comecei a levar os turistas para os restaurantes, e quando eu levava as pessoas ganhava refeição também. Um dia, meu grande amigo, o Comprido, inventou de fazer uma moqueca para umas gringas. Compramos todos os ingredientes e virei para ele e disse ‘agora faz a moqueca’, mas ele não sabia fazer e nem eu.


O que eu sabia era o que eu lembrava de ter visto minha tia fazendo, mas fiz a moqueca mesmo assim. Depois que eles comeram, começaram a me incentivar, dizendo que eu cozinhava muito bem. Então, me empolguei, e sempre que tinha um novo grupo de turista eu cozinhava para eles. Foi cozinhando para essas pessoas que começou a minha experiência gastronômica.



A COZINHA


Eu sempre brinco dizendo que não fui eu que escolhi a cozinha, foi ela que me escolheu. A primeira razão de eu ter encontrado a gastronomia foi por pura brincadeira e diversão, e a segunda foi necessidade. Eu precisava me alimentar também, e descobri que no restaurante poderia almoçar, jantar, tomar café e ainda ganhar dinheiro.


Depois de alguns estágios em restaurantes, surgiu uma oportunidade de vir morar em São Paulo com minha ex-esposa. Sempre tive vontade de sair de Itacaré, queria crescer mais, e aceitei o convite dela. Depois de duas semanas, recebi a proposta de trabalhar na cozinha de um hospital e fui.


Comecei ajudando a higienizar verduras, um corte aqui e outro ali, mas o salário era muito pouco. Eu ganhava R$ 330 e só o aluguel do apartamento era R$ 1100, mas fui indo até receber outro convite, que veio graças à menina que morava comigo em Itacaré.

Ela conhecia a Chef Morena Leite e enviou o meu currículo para o Capim. Fui chamado para fazer um teste e adorei o trabalho lá, mas não sabia se eles iriam me chamar. Depois de uns dias, o telefone tocou em casa e minha ex-esposa atendeu, depois disse que a Morena Leite tinha me pedido para ir lá. Depois disso, pedi as contas [no hospital] e comecei a trabalhar no Capim Santo.


Quando eu cheguei, as pessoas tinham medo de perder seu emprego, então tinham medo de ensinar os novos, como se o aprendizado dos outros fosse tirar a profissão deles, que era a única que eles tinham. No começo eu ficava incomodado, mas depois fui entendendo que na verdade aquilo era uma autodefesa.


Então eles maltratavam, humilhavam, xingavam, esquentavam o cabo da panela e colocavam para você pegar. Só depois comecei a entender que era melhor eu puxar aquelas pessoas para o meu lado, mostrar que eu não queria roubar o emprego deles, e sim que eu só queria aprender e ajudar. Fui enfrentando essas dificuldades e mostrando que queria somar.


Comecei no Capim lavando louça, e aos poucos fui vendo que o que eu queria realmente era trabalhar dentro da cozinha. Fui conhecendo as praças, primeiro aprendi com a menina da salada, depois com a guarnição, até que rodei por todas as praças do restaurante, aprendi com todas elas. 


GRADUAÇÃO E TRABALHO SOCIAL


Certo dia, a Chef Morena Leite pediu para que eu desse uma aula de risoto para os alunos do Instituto [Capim Santo]. Arrumei uma apostila de risoto e consegui dar uma bela aula. Sempre fui muito extrovertido, então foi uma aula bem dinâmica. 

Após essa experiência, contei à chef que queria fazer uma faculdade de gastronomia para poder dar aulas. Ela conseguiu para mim uma bolsa de 50% na [Universidade] Anhembi Morumbi, mas os 50% já eram 1200 reais, e na época eu ganhava 650 reais por mês. Na época comecei a fazer salão, dar aula, fazia de tudo, dormia três horas por dia para poder trabalhar e conseguir pagar a faculdade. Me formei em 2013.


Depois de me formar, saí do Capim por um tempo, fiquei três anos fora e fui trabalhar em outras áreas, conhecer outras técnicas da gastronomia. Quando voltei pro Capim, assumi como chef do jantar, montei uma equipe legal e as pessoas começaram a ver resultado no meu trabalho.


Ao voltar para o Capim, a Morena me chamou para dar aulas no Instituto, e eu fiquei pensando se aceitaria mesmo. E uma coisa que me motivou ao trabalho social foi que na minha cidade, os jovens a quem eu ensinava capoeira, muitos se envolveram com coisas erradas, alguns até partiram dessa vida para outra.


Isso me chocou muito e me deixou triste, porque eu sempre pensava que se eu estivesse lá ainda poderia ter ajudado essas crianças. Esse foi o meu despertar, por isso aceitei, mas desde que eu pudesse levar o Instituto para Itacaré. Conseguimos um patrocinador, e hoje temos a unidade funcionando.


Meu principal desafio é aprender cada vez mais, porque água parada não purifica. Eu, um jovem que nunca tinha saído da Bahia, de repente consegui sair de lá e vir para São Paulo. De São Paulo fui para a França, da França para a Itália, da Itália para Portugal e agora, esse ano, fui para a China.


A gente dorme duas, três horas por dia. Nada é fácil, mas se fosse fácil não teria graça nenhuma. Eu agradeço muito a Deus pela dificuldade que tive na vida, porque aprendi muito com ela, e hoje posso fazer a minha escolha. 


Quero inspirar esses jovens para que eles também levantem a cabeça e digam que conseguem alcançar esses sonhos. Já tiramos [no Instituto Capim Santo] pessoas do mundo da droga, já mudamos a vida de ex-presidiário, que hoje está feliz e empregado. Mudamos a vida de muita gente, assim como mudei a minha. A gastronomia tem esse dom, esse poder.


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Redação: Giovanna Reis

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